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Tempo de Natal

Ficar olhando a grande Árvore de Natal na loja do Mané Perigo atulhada de brinquedos inatingíveis, como um trem de lata que apitava na curva dando voltas nos trilhos artificiais, ou um revólver que deveria ter sido do Johny Mac Brown, todo brilhante e de capa de couro de vaca, tiros de espoleta que não acabavam nunca, caminhões feitos de lata, um dia inteiro para ver todos, cobiçar, sonhar de dia e de noite, bicicletas reluzentes, bolas vermelhas, brancas, translúcidas, um Papai Noel sorridente de cara vermelha, feixes de luzes no chão.
Era ali que a gente passava os dias, escolhendo secretamente aquele brinquedo que ia ganhar na noite mágica do Natal. Um, ia ganhar o trem, outro a bicicleta, outro, o revólver. Até que chegava o Natal, dia de acordar cedo para mostrar o brinquedo na rua.
Decepção total, nenhum brinquedo era aquele que a gente tinha escolhido. Para um, o caminhãozinho de madeira, para outro, um jogo mixuruca de papelão e para a maioria, nada. Nunca ganhamos o revólver, o trem ou a bicicleta.
Últimos desejos - I Por favor, mandem urgente o perfume de flores da mangueira da praça Maria Pia.
Mandem limas maduras de cascas finas e amarelas colhidas bem de manhã com orvalho escorrendo na grama lisa no pasto.
Mandem o canto dos bem-te-vis madrugadores fazendo ninhos; mandem junto o trinar das coleirinhas, sabiás e bigodinhos que chegam no inverno.
Mandem as férias de julho quando chegavam as meninas, bando alegre na praça, usando shorts, sorrisos quentes.
Se for possível mandem aquela bruma do mês de junho com fantasmas na rua, sombra de passos nas ruas de terra.
Por favor, atendam estes pedidos simples, gravem o som de uma cachoeira, mandem retratos do poço do córrego do Matadouro, da pedra Escorregosa, da represa de Santa Constância.
Tentem encher uma moringa de barro com água da mina do Barro Preto e despachem pela Companhia Mogiana de Estradas de Ferro como encomenda, frete a pagar.
Se puderem, mandem pés-de-moleque da venda do Tibúrcio, sorvete de coco queimado do Jaime Cagliari, anzóis do Gigin Mussolin, uma pinga do boteco Último Gole caixa de fósforos Guarany; lápis de cor e algumas penas mosquitinho. Se alguém ainda tiver, mande cartazes dos filmes das matinês do Cine Éden. Comprem pente de osso na loja do Porfírio Azevedo, ou no Elias Abraão, uma binga de pedra, um maço de cigarros Ascott, uma garrafa de cerveja Poker, um guaraná Paulista, uma água Tônica de Quinino, bauru do Zé Malim e pastel do bar do Zé Mussolin.
Copiem um vídeo tape do jogo Amália X Santa Rosa no gramado da Amália, verde imenso com meninas lindas torcendo na arquibancada.
Encomendamos ainda uma piracanjuba saltando nas águas correntes do rio Pardo, uma noitada no Rancho Alegre e uma quermesse no Beco da Iaiá. E, por último mandem, se puderem, o apito de trem na curva quando partimos para não voltar.
E não mandem, nunca, mas nunca mesmo, o sorriso azul daquela moça que beijamos uma tarde na praça e desapareceu para sempre.

Juvenil de Souza é um caixeiro viajante sem mercadorias para entregar.

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