English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

Saudades das galochas

Neste tempo frio a gente tem saudade de uma velha e boa galocha comprada no armazém do João Cury ou na loja dos Bozzo perto da estação. Galocha preta que a gente colocava sobre os sapatos e que não deixava molhar os pés e ainda esquentava os dedos. Protegidos os pés, a gente tinha que proteger o corpo com um bom guarda-chuva de cabo preto de osso, tacões de metal amarelo, uma capa de chuva gabardine, igual à do Humphrey Bogart do cinema, chapéu Prada, ou Ramenzoni, distribuição exclusiva da loja do Elias Abrão. De galocha e tudo a gente parava no bar do Zé Malim, abrigo seguro - lá fora que chovesse. Ali, a conversa era sempre sobre namoradas, ah, as nossas namoradas, que ás vezes nem sabiam que eram nossas namoradas.
Um tinha namorada que vinha a pé da Colônia Baixa, olhos verdes, cabelos compridos, baixinha, cheia de rouge nas bochechas, alegre e feliz e que sonhava um dia conhecer o bosque de Ribeirão Preto para ver um leão de perto. Nunca foi. Ou a outra namorada do amigo já bêbado que o esperava na esquina do sobrado para conversar, brigar e amar.
Naquele tempo, ninguém se queixava da chuva e nem do frio que fazia. Dentro do bar, o “turco” Zé Malim, cabelos lisos e brilhantes, fazia baurus de sabor e cheiro inesquecíveis. A rua era escura, tinha um poste de ferro bem em frente ao bar, onde muitos se encostavam, guarda chuva em guarda aguardando a chegada da namorada que nunca chegava. Na frente do balcão do bar tinha sacos e sacos de cerveja encostados na parede com as garrafas protegidas com palha de arroz. Era ali que o doutor Zé Rocha encantoava algum incauto e dava lições de moral, de música, de gentileza e de muita amizade, sem parar de falar.
E quando chovia, a noite demorava em acabar, o Zé Malim ligava a vitrola e aí vinham as músicas tristes e doces do Orlando Silva. Nosso coração se lembra e chora de lembrar, porque foi um tempo que não volta mais. O que volta sempre é a chuva fria que cai lá fora e a gente têm que ir comprar pão na padaria e não temos galochas para enfrentar a água nas ruas e sarjetas desta cidade suja e feia onde moramos já faz tempo.

Juvenil de Souza esquece tudo que não interessa.

Próximo texto
Página anterior

Nenhum comentário:

Postar um comentário